sexta-feira, junho 12, 2009

Crônica de uma manhã

Todo dia ele vê o sol nascer. Vê o dia emergir da noite como alguém a sair de um beco escuro. E ele aproveita a brisa da manhã e o frio, aproveita pois sabe que daqui a poucas horas vem o calor escaldante. Ele só aproveita.
Ele olha aquela linda menina enquanto ela olha de volta. Ele se perde em seu olhar e ela também parece se perder no dele.
Talvez ele nunca mais a veja.
E talvez ela nunca mais o veja.

Ele escuta Portishead e vê os mendigos pela janela do ônibus, aqueles que dormem nas calçadas, que reviram as lixeiras e aqueles que simplesmente se deixam levar pela leveza da manhã. Pobres humanos, frutos de uma sociedade errada, frutos de uma sociedade não-humana criada por "pessoas".

Ele olha os carros de luxo, reluzentes ao sol das 7:30h e seus donos e donas reluzentes do mesmo modo, com seus óculos de grife e cabelos perfeitos.

Todas essas contradições, todos esses defeitos e belezas convivendo juntas, amanhecendo e dormindo juntas, numa estranha e antagônica relação.

É o nosso pobre, sujo e nobre cotidiano.

7 comentários:

Mr. Guima disse...

cotidiano...
sujo, doloroso e injusto.
e ainda sim, nesse imenso mar de lama
nos aconteçem coisas que fariam inveja a qualquer deus.

penso assim.

Devaneios baratos.. disse...

Obrigada por transpor em palavras toda indignação que sinto e não consigo expressar...

Marília L. disse...

Pelo menos tem Portishead para deixar o clima mais ameno.

Bete Feitosa disse...

a mistureba de cores, sons, o cheiro de vômito e a catinga matinal...

Simone disse...

É o nosso cotidiano sem explicação nenhuma, sem sentido, apenas SENDO.

Bárbara Daisy disse...

é o nosso cativeiro.

esse pequeno mundinho que construímos para nos "criarmos". (redundante mesmo!)

eu também não consigo entender muitas coisas, mas só portishead pra embalar imagens como essas e nos fazer refletir sobre o que você chamou de "pobre cotidiano".

adorei.

:*

Unknown disse...

'Saiba que além dos cegos, poetas e loucos podem enxergar na escuridão...', muito bom a simplicidade e clareza sobre aquilo que é visto no cotidiano e desprezado pelos 'olhos' lembrei-me muito de "Ensaio sobre a cegueira" de Saramago e em uma passagem: "Fizemos dos olhos uma espécie de espelhos virados para dentro"